União Ibérica: Sim ou Não? E porquê? «Carta aberta à tese da União Ibérica»
(*) Belmiro Vieira
Eis uma questão que, formulada inicialmente em ambiente restrito e de forma hesitante e quase a medo, ganhou, nos últimos tempos, amplitude e sonoridade públicas como testemunham muitas conversas de tertúlia que se vão escutando e bem assim os depoimentos que a Comunicação Social tem publicado…
Como é natural, não tem havido unanimidade nos argumentos e ilações contidos nessas conversas e depoimentos: há os que defendem, enfatizando a necessidade dessa união; como há também os que a julgam desfasada no tempo; e outros que a têm como impensável, por ser algo contra a natura.
Por nós, entendemos que, antes do mais, importa cogitar sobre o que realmente se quer significar com expressão união. Que não é, como erradamente pensam alguns, nem fusão nem simplesmente integração, com a consequente alienação da perda do que cada uma das partes tem como essencial. Mas sim uma associação feita de livre vontade e de comum acordo, com a finalidade de coordenar e financiar meios e esforços próprios, para assim aumentar as possibilidades de triunfo num mundo em permanente e feroz competição.
A união, entendida assim, é um gesto, ou melhor, uma prática que se observa quotidianamente tanto na sociedade dos homens, como dos animais. Assim, por exemplo, o matrimónio de um homem com uma mulher é uma união, do mesmo modo que a constituição de uma empresa comercial, industrial ou agrícola formada por dois ou mais sócios, também o é. Em ambos os casos, as partes mantêm a sua personalidade, empenhando-se apenas em tarefas comuns, com vista a assegurar uma vida melhor ou mais possibilidades de lucros.
Pese embora ser uma prática que tem a ver com a própria natureza do homem, a união ou melhor dizendo a associação, torna-se muito mais viável quando os sujeitos são indivíduos actuando em grupo. No mundo actual, houve já ou estão ainda em curso, como é do conhecimento geral, alguns projectos de união ou associação ao mais alto nível, isto é, interessando a países ou estados.
Deles seguramente os mais ambiciosos são os que respeita, à NATO e a chamada União Europeia nos quais Portugal é participe. Pois bem. Nenhum desses projectos, conseguiu até agora vingar de forma concludente. Muito pelo contrário: os indícios possíveis de recolher e analisar apontam para um rotundo fracasso a breve trecho. E quem tiver dúvidas, nesse particular, que faça um apelo à memória e relembre factos elucidativos de ocorrência recente, dos quais, o mais eloquente, tem a ver com as inúmeras fatais “fracturas” que a Operação Iraque” pôs a descoberto.
Foi aliás a perspectiva desse fracasso que fez que a Tese da União Ibérica, até então mantida sob reserva na mente de uns poucos, ganhasse maior pertinência ao ponto de poder ser oferecida a uma cogitação mais generalizada. Ela que, mais de que qualquer outra possível, tem condições para sobreviver e triunfar.
O que faz fracassar a NATO e torna impossível a União Europeia são, sem sombra de dúvida as notórias discrepâncias que existem entre os vários candidatos à associação. Discrepâncias que se relacionam com a origem e a vivência histórica de cada um deles: com o posicionamento geográfico, com usos e costumes, com formas de exprimir, etc… etc… Tudo, afinal, elementos profundamente caracterizantes, de cada um deles, e, por isso mesmo, não são fáceis de esquecer e muito menos de enterrar.
Discrepâncias desse tipo ou mesmo semelhantes não existem nesta zona da Europa que dá pelo nome de Península Ibérica. Onde , ao contrário, há muita coisa de semelhante ou de comum: como o espaço geográfico; os meios de expressão herdados dos romanos e mesclados com contributos de outras origens; usos e costumes que, através dos tempos foram deixando pelos diferentes povos que por aqui passaram; e, “last but not least” – o último, mas não menos importante – o culto religioso.
É certo que para alguns “Velhos do Restelo”, despidos do manto da valentia, haverá também que pôr na balança momentos de discordância expressos em gestos belicosos, que se verificaram no passado.
Pensamos, sinceramente, que essa argumentação é improcedente, já que tais discordâncias foram protagonizadas por um reduzido grupo de senhores feudais e não por maiorias populacionais, assim como a ênfase que se lhes deu, em determinado período da vida portuguesa, com vista a alimentar um patriotismo doentio em favor do fortalecimento do poder político, que felizmente se esvaiu.
Assim sendo, parece não haver dúvidas de que a união entre os que dão personalidade à Península Ibérica, as suas regiões, portuguesas e espanholas, é necessária e desejável.
Será ela – caso se venha a concretizar – uma força a considerar não só ao nível da Europa mas também á escala mundial sobretudo se, na sua formulação e funcionamento, não for esquecido o histórico relacionamento que os países ibéricos têm com a América Latina e com África.
(*) Jornalista
Foi publicado no “O Dia” em 12 de Maio de 2003.
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